31 de outubro de 2025

Gratidão - Ana Jácomo

 


GRATIDÃO


Quando lembro o quanto algumas pessoas me ajudam com o seu olhar amoroso, ao longo da estrada, sinto um ventinho bom percorrer meu coração e arrepiar a vida toda de contentamento. Um ventinho quente, parecido com o que toca a minha pele quando caminho na beira da praia nas manhãs azuis que ainda se espreguiçam. A pele é o lado de fora do sentimento.

Quando lembro de cada nova muda de afeto que recebo e vejo florescer devagarinho no meu jardim, a lembrança afasta as nuvens momentâneas e deixa o céu à mostra. Faz um sorriso sereno acontecer em mim. Acende uma música que a gente só consegue ouvir quando a palavra descansa.

Quando lembro que crescer é, no íntimo, um exercício solitário, mas que não estamos sozinhos na sala de aula, saboreio o conforto dessa recordação. Somos mestres e aprendizes uns dos outros, o tempo todo. Estudamos, lado a lado, inúmeras lições, mas também criamos espaço para celebrar os mágicos momentos de recreio. Às vezes, com alguma leveza, até descobrimos juntos um segredo libertador: o aprendizado e o recreio não precisam acontecer separados.

Quando lembro o quanto as nossas vidas se entrelaçam amorosamente com outras vidas nessa tapeçaria de fios sutis dos encontros humanos, a gratidão emerge e se espalha, em ondas de ternura, por toda a orla do peito. Diante de tantas incertezas, essa verdade perene: o amor compartilhado é o sábio curador.

Quando lembro, eu agradeço. E respiro macio.

 

Ana Jácomo


10 de outubro de 2025

Uma Arte ( de perder ) Elizabeth Bishop

 


Uma Arte

Elizabeth Bishop

A arte de perder não é difícil de dominar;
tantas coisas parecem preenchidas com a intenção
de serem perdidas que sua perda não é um desastre.

Perca algo todos os dias. Aceite a agitação
das chaves perdidas, a hora mal gasta.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Então pratique perder mais longe, perder mais rápido:
lugares, nomes e para onde você deveria
viajar. Nada disso trará desastre.

Perdi o relógio da minha mãe. E veja! Minha última, ou
penúltima, das três casas que eu amava se foi.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Perdi duas cidades, adoráveis. E, mais vastas,
alguns reinos que eu possuía, dois rios, um continente.
Sinto falta deles, mas não foi um desastre.

- Mesmo perdendo você (a voz brincalhona, um gesto
que eu adoro) Eu não terei mentido. É evidente que
a arte de perder não é muito difícil de dominar,
embora possa parecer (Escreva!) um desastre.

 




O Tempo passa...

 



Translate

AMIGOS POÉTICOS